Primeiro filme que eu desejei, de verdade, assistir no cinema após os créditos subirem.
O cinema que gosto de ir está a 70 km daqui, em outra cidade. O que deixa mais complicado acompanhar os lançamentos na grande tela. Por isso não tive a oportunidade de integrar os mais de 410 mil espectadores do filme.
Ainda assim, em uma sala refletindo a porta na televisão, me vi completamente envolvido no mundo de Hayao Miyazaki. É impressionante como o diretor japonês consegue nos transportar para seus universos.
É sempre um choque de realidade quando sobem os créditos finais e voltamos para nosso mundo.
Um vôo de garça
A história flui, em um ritmo aconchegante, nem muito acelerado, nem muito lento.
É um filme extremamente autobiográfico, cheio de semióticas internas do próprio diretor, então a capacidade de compreender o filme é quase nula de partida. Por isso, a melhor opção é apenas curtir a experiência cinematográfica que ele tem a nos oferece.
A interpretação do que ele buscou dizer fica para depois nas discussões em fóruns e resenhas aqui na internet.
Temas que se repetem
Grandes diretores imprimem muito de “sí” em suas obras. Portanto, ao assistir todos os filmes de sua carreira é possível notar alguns temas e simbologias se repetindo.
Um exemplo claro é a cena de abertura de O Menino e a Garça, a mãe do protagonista acamada no hospital aparece também no aclamado Meu Amigo Totoro.
A aviação, e o domínio do ar, é o mais recorrente, já que assim como o pai do diretor na vida real, o de Mahito é dono de uma fábrica de peças de avião da segunda guerra.
O tema irá se repetir em outras obras, como Nausicaa do Vale do Vento, (O mais enigmático pra mim) Laputa: Castelo no Céu, o encantador Serviço de Entregas da Kiki, Porco Rosso (Um porco aviador) e Vidas ao Vento, sua conexão mais próxima com seu pai.
Vida marinha e conexão com a natureza também estiveram presentes em diversas obras. E estão todos aqui, presentes neste belíssimo filme ganhador do Oscar de melhor animação neste ano de 2024
Outros ícones são muito específicos.
O botão de rosa vermelho se espatifando no chão como vidro e evaporando em seguida.
Pedras empilhadas em busca do equilíbrio.
O periquito australiano, a própria garça real.
A relação do fogo com a mãe biológica, o túmulo daquele que não pode acordar exatamente igual a maternidade onde sua Tia Madrasta se encontra.
Me parecem novos e exclusivos desta complexa obra cinematográfica.
Resenha de O Menino e a Garça
Na cidade de Tóquio da década de 40, em meio a Segunda Guerra Mundial, Mahito, O Menino, é acordado com os serviçais da casa desesperados atrás do Patrão, seu pai. O motivo é o hospital onde sua mãe está pegando fogo por conta de um ataque por bombas dos Estados Unidos. O resultado é trágico.
Agora com uma madrasta, a irmã de sua mãe, Mahito, se muda com seu pai para o interior agrário do japão, junto com a fábrica de avião.
Como todo menino que perdeu a mãe, se vê em um conflito com seu pai pela situação desconfortável com sua Tia Madrasta grávida de um futuro irmãozinho.
A Garça Real, que sempre esteve presente na enorme propriedade da Família, o convida para visitar um castelo abandonado no meio da floresta. Mahito recusa de primeira, assim como manda a velha jornada do herói, só resolve entrar no castelo quando vê sua Tia Madrasta sumir após caminhar em direção ao castelo misterioso.
Descobrimos durante a história que só os membros de sangue da família podem ouvir a garça e entrar no castelo.
Herdar um legado (Olha o spoiler)
Para quem conhece a biografia de Hayao, o castelo é uma clara alusão ao Studio Ghibli e a criatividade do diretor Miyazaki.
Na história o castelo é comandado pelo Tio Tataravô de Mahito. Responsável por manter aquele universo imaginário em harmonia.
O objetivo do sábio é passar o legado para seu descendente, empilhando seu próprio bloco de pedras puras de maldade, algo que é recusado pelo jovem garoto.
Algo extremamente difícil de imaginar na tradicional cultura japonesa. Onde temos as empresas familiares mais antigas do mundo. São orgulhos nacionais e até recebem subsídios do governo.
Apesar disso, acredito que a mensagem do diretor é sobre herdar um legado criativo. Não necessariamente os Studios Ghibli que Co-fundou e seu filho trabalha, mas suas histórias e universos
O final apocalíptico de O menino e a Garça deixa claro que o universo imaginário de uma mente criativa como a de Hayao Miazaky é único e pertence a apenas uma pessoa, o próprio criador.